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Contemplando de onde estiver

Há alguns dias, ao tratarmos aqui do confinamento, mencionamos uma publicação britânica sobre as condições extremas enfrentadas por navegadores que, viajando nas regiões árticas, viam-se presos ao gelo e desenvolviam meios de ali sobreviver durante o inverno rigoroso. Oferecemos a seguir um trecho de tradução livre do diário de Fridtjof Nansen (Farthest North), um desses navegadores, cientistas e literatos, que nos brinda com um olhar bastante singular sobre uma tal dificuldade, há aproximadamente 120 anos.

“Terça-feira, 26 de setembro. Belo tempo! O Sol está muito mais baixo agora; estava pouco acima do horizonte ao meio-dia. O inverno está se aproximando rapidamente […]. Observações do dia infelizmente não mostram nenhuma deriva em particular para o Norte; ainda estamos em 78o 50’ de latitude Norte.  Vaguei sobre os blocos de gelo rumo ao crepúsculo.

“Nada mais maravilhosamente bonito pode existir do que a noite ártica. É a terra dos sonhos, pintada nas tonalidades mais delicadas da imaginação; as cores do éter. Uma sombra derrete na outra, de modo que você não pode dizer onde termina uma e outra começa, e ainda assim elas estão todas lá. Sem formas — é tudo música de cores tênues e oníricas, uma melodia longínqua e longamente extraída de cordas mudas. Nem toda a beleza da vida é elevada, delicada e pura como a desta noite? Dê a ela cores mais brilhantes e ainda assim não poderá ser mais bela.

“O céu é como uma enorme cúpula, azul no zênite, nuançando-se em verde, e depois em lilás e violeta nas bordas. Sobre os campos de gelo há frias sombras azuis-violeta, com matizes rosas mais claras onde um cume aqui e ali captura o último reflexo do dia que se esvaiu. Acima, no azul da cúpula, brilham as estrelas, falando de paz, como sempre fazem aquelas amigas imutáveis. Ao Sul está uma grande Lua avermelhada, rodeada por um anel amarelo e claras nuvens douradas, flutuando no fundo azul.

“Agora a aurora boreal agita no arco celeste o seu cintilante véu prateado — mudando para o amarelo, para o verde, então para o vermelho. Ele se expande, contrai-se novamente, em mudança inquieta; em seguida, ele se parte em ondas, faixas de prata brilhante dobradas sobre si mesmas, explodindo em raios cintilantes, e então o esplendor esvanece. Em seguida, lampeja oscilante em chamas por sobre o próprio zênite, para novamente disparar um raio brilhante direto do horizonte, até que o todo derreta ao luar, e é como se alguém ouvisse o suspiro de um espírito de partida.

“Aqui e ali restam algumas flâmulas ondulantes de luz, vagas qual um pressentimento — são a poeira do manto brilhante da aurora. Mas, então, está crescendo novamente; novos relâmpagos disparam e o jogo interminável começa de novo. E o tempo todo, essa quietude total, arrebatadora como a sinfonia da infinitude.

“Eu nunca fui capaz de me ater ao fato de que este espaço algum dia estará exaurido, desolado e vazio. Para qual termo, nesse caso, toda essa beleza, sem uma criatura para se regozijar nela? Agora começo a divinizá-la. Esta é a terra prometida — aqui estão a beleza e a morte. Mas para que propósito? Qual é o propósito de todas aquelas esferas? Leia a resposta, se puder, no estrelado firmamento azul.”

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Publicado por comtudo50

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2 comentários em “Contemplando de onde estiver

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